carta #10: adulto aos treze
quando tinha treze anos, resolvi sair de casa. ninguém esperava. rapidamente aprendo a fazer de tudo. cozinho, lavo, faxino, faço compras. me torno adulto aos treze.
uberlândia, 3 de fevereiro de 2023.
quando tinha treze anos, resolvi sair de casa. foi algo estranho, ninguém esperava. queria estudar fora. um desejo meu.
cresci em um pequeno sítio com meus pais e meu irmão mais novo. estava a 10 minutos de ubirajara, pequena cidade do interior de sp com seus 3-4 mil habitantes na época. ubirajara, pelo seu tamanho, não era uma cidade de oportunidades. e eu logo descobri isso.
no sétimo ano do ensino fundamental, eu ganhei uma medalha de bronze na obmep (a olimpíada brasileira de matemática das escolas públicas), foi onde tudo começou. com isso, veio uma bolsa para ter um curso de matemática avançada na unesp de bauru, com outros medalhistas. bauru fica a cerca de 90 km da casa dos meus pais. e foi lá que o meu mundo se abriu pela primeira vez.
eu tinha doze anos e comecei a ir para o meu curso uma vez por mês. assim foi por quase três anos. lá, comecei a conhecer e vivenciar experiências completamente novas. e resolvi que não queria mais ser o mesmo. o medo de ficar onde eu estava se transformou no desejo pelo novo. na unesp, fiquei sabendo do ensino médio e técnico fornecido pela própria faculdade. uma das melhores escolas públicas do país. o desejo por essa escola se misturou com o meu medo de ficar preso ao meu presente da época.
estudei muito. o máximo que consegui. eu tinha uma base muito fraca e o que me salvou foi a matemática. passei no vestibular e consegui entrar no ensino médio da unesp. quando o resultado chegou, foi uma euforia sem igual. e também um susto para os meus pais, que talvez não esperavam que isso daria certo.
eu estava lutando pelo desejo de querer mudar. tinha treze anos e planejava morar sozinho em bauru. cidade grande. criança do mato. estudos. ou roça. eles tentaram me convencer de várias formas a ficar. sabiam dos riscos, custos, e dificuldades em me deixar ir. a escola era integral, de segunda a sábado. não existia transporte entre as cidades. impossível não morar em bauru.
venço a discussão e meu desejo prevalece. vou para bauru. me torno adulto aos treze.
rapidamente aprendo a fazer de tudo. aprendo a viver só. cozinho, lavo, faxino, faço compras. tenho meus prazeres e dores, como qualquer pessoa. me divirto com leituras e os jogos. me apaixono por andar pela cidade e ficar pensando na vida. são horas e horas de caminhada semanais.
meu primeiro final de semana só foi intenso e amedrontador. o que eu estava fazendo?
por questões financeiras, tive que dividir uma kitnet com um desconhecido. ele só chega na segunda semana, então tive um instante de completa liberdade. o fato de ter outra pessoa comigo foi a parte triste dessa história. mas eu tinha apenas treze anos, nem poderia ficar só. e, na verdade, acho que eu era o adulto daquele lugar.
minhas aulas começaram numa segunda-feira. sempre fui uma pessoa tímida e introvertida, mas todo esse contexto dificultou ainda mais a minha integração. era uma cidade grande e nova. eram pessoas que nunca vi na vida. e muitas delas já se conheciam. a escola era também assustadora. vivendo ao lado da faculdade, ainda tínhamos os trotes estudantis. foi muito difícil passar por tantas “brincadeiras” em um contexto interno tão amedrontador.
eu não sabia o que estava fazendo da minha vida.
no segundo dia de aula, eu praticamente não havia conversado com quase ninguém. era meu aniversário, dia 7 de fevereiro. fazia catorze anos.
durante o intervalo do almoço, sempre voltava para casa. quinze minutos de caminhada sob o sol das 12h. fazia meu almoço correndo. comia correndo. tomava um banho correndo. e voltava para as aulas da tarde, mais 15 minutos de caminhada. fugia das pessoas e dos temidos trotes que ocorriam no horário de almoço. mas tinha o espaço para caminhar. como amo caminhar!
gradualmente fui desenvolvendo várias amizades. levei tempo, sou assim. mas construí o que considero ter sido o passo mais importante da minha vida, até agora. aquela escola transformou a minha vida de uma forma que nem imaginava que seria possível. sou muito feliz de ter conseguido convencer os meus pais e de ter tido a coragem para realizar essa aventura tão perigosa.
agora, me aproximo de mais um aniversário. estou perto dos 26 anos. e te escrevo essa carta, pois sinto que estou cada vez mais perto do aron de 13 anos.
também estou com muito medo de ter escolhido seguir os meus desejos nesse momento. não sei bem como tudo isso será. estou em um ambiente completamente novo, hostil e desconhecido. imagino que muitos trotes também me esperam, infelizmente. tentarei me esconder como fiz antes? acho que sim, sinto que já tenho feito.
aos treze anos resolvi deixar a puberdade de lado e transicionar para a vida adulta. um tanto precoce, né? mas foi incrível.
agora, aos vinte e cinco, quero retomar a minha puberdade e transicionar de volta para a vida de criança. aquele aron sonhador e curioso sobre o mundo. que amava deitar na grama para olhar as estrelas e imaginar o inimaginável. que andava pelas ruas sem rumo, para olhar a si mesmo e pensar na vida. que gostava de colocar os pés na água para sentir sua fluidez.
por alguns anos, ele foi tomado pela vida adulta, pela razão, e pelos mundos exatos e calculáveis. sua vida se tornou uma escola.
depois de quase outros treze anos, meia vida, estou aqui para trazê-lo de volta. para que sua vida agora se torne uma escolha, não mais uma escola.
é hora de voltar a molhar os pés. caminhar pelo desconhecido. ver o que céu, depois de tanto tempo, ainda está lá, brilhando.
até breve,
eu.
Que carta linda Aron.... Me encontrei nela em muitos trechos. Que potência olhar para o passado e a partir dele encontrar força para o presente. Feliz aniversário (já é quase 7), que seu novo ciclo seja abundante de coisas boas e que o universo não deixe lhe surpreender e principalmente, lhe dar momentos de descanso e festa!